Política
“Acabei com a Lava Jato”: relembre os indícios de corrupção na família Bolsonaro
Os brasileiros, segundo o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), podem dormir tranquilos desde quarta-feira (7). Um dos problemas estruturais do país já não existe mais pelo menos no governo federal: a corrupção. Durante um pronunciamento no Palácio do Planalto, o capitão reformado afirmou que acabou com a Operação Lava Jato porque em seu governo não há mais corrupção.
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“É um orgulho, é uma satisfação que eu tenho, dizer a essa imprensa maravilhosa que eu não quero acabar com a Lava Jato. Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo. Eu sei que isso não é virtude, é obrigação”, disse o presidente enquanto tecia elogios ao próprio governo. Em seguida, recebeu aplausos da plateia.
O presidente, no entanto, não por falta de esquecimento, parece ignorar os indícios de corrupção que rondam o próprio e sua família.
CPMI das Fake News
Tanto Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), vereador do Rio de Janeiro, quanto Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), deputado federal, são investigados pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, por supostamente participarem de campanhas na internet para desqualificar e atacar adversários políticos por meio de notícias falsas.
Recentemente, o deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP), ex-aliado da família Bolsonaro, acusou Eduardo Bolsonaro de participar diretamente desses ataques. Em depoimento à Polícia Federal, o parlamentar entregou documentos que foram descobertos no âmbito da CPMI, da qual faz parte.
Os dados enviados à PF relacionaram IPs, a identidade dos computadores, de Eduardo Bolsonaro ao disparo de fake news e ataques contra os inimigos políticos da família Bolsonaro. Outra ex-aliada da família, Joice Hasselmann (PSL-SP), apresentou um dossiê à comissão na mesma linha das acusações de Frota.
Inquérito das fake news no STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) segue com outra investigação sobre fake news, mas direcionadas a membros da corte e do Congresso Nacional, especificamente. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, a PF identificou, nesta investigação, novamente Carlos Bolsonaro como um dos envolvidos em um esquema criminoso de notícias falsas, além de empresários bolsonaristas que estariam financiando tal esquema.
Participação em atos antidemocráticos
Outra investigação corre no STF: o ministro Alexandre de Moraes abriu um inquérito para investigar as manifestações realizadas no dia 19 de abril e apurar o viés antidemocrático do protesto. Os manifestantes, na época, pediam o fechamento do Congresso Nacional e do STF, bem como a volta do Ato Institucional 5, da ditadura militar.
O presidente Bolsonaro estava na manifestação e fez um pronunciamento em frente ao Quartel General do Exército, endossando o discurso antidemocrático.
Fabio Wajngarten na mira
A Polícia Federal (PF) abriu inquérito contra Fabio Wajngarten, chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom). A investigação, que corre sob sigilo, partiu de um pedido do Ministério Público Federal (MPF) para apurar se houve crimes de corrupção, peculato e advocacia administrativa por parte de Wajngarten.
As denúncias são de que ele é sócio, paralelamente à chefia da Secretaria de Comunicação (Secom), da FW Comunicação, empresa que recebe dinheiro do próprio governo Bolsonaro e de emissoras de TV, como Record e Band.
Caso Queiroz
Em 18 de dezembro de 2018, poucas semanas antes de Jair Bolsonaro tomar posse como presidente da República, um documento Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou uma série de transações financeiras atípicas em contas de assessores de parlamentares, entre eles, o deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro. Todos os políticos eram integrantes do PSL na época.
Há poucas informações sobre o destino dos recursos, mas segundo o relatório, uma das transações é um cheque de R$ 24 mil destinado a Michelle Bolsonaro, esposa do presidente. O Coaf explica que as movimentações são suspeitas por três tipos de processos identificados:
1) “Pagamentos habituais a fornecedores ou beneficiários que não apresentam ligação com a atividade ou ramo de negócio da pessoa jurídica”;
2) “Movimentações em espécie” feitas por clientes que costumam utilizar “outros instrumentos de transferência”, como “cheques, cartões de débito ou crédito”;
3) “Movimentação de recursos incompatível com o patrimônio, a atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira do cliente”.
O documento ainda revela que a maior parte dos depósitos em dinheiro, feitos na conta do ex-motorista de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, coincide com as datas de pagamento na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Na folha de pagamento de setembro, por exemplo, o motorista aparece com salário de R$ 8.517. Ele ocupava o cargo comissionado de Assessor Parlamentar III, no gabinete de Flávio Bolsonaro. Segundo o Coaf, ele também acumulava um salário de R$ 12,6 mil da Polícia Militar.
Interferência na PF
Em maio deste ano, Paulo Marinho, suplente do senador Flávio Bolsonaro, afirmou que o Flávio Bolsonaro foi avisado, entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2018, que a operação da Polícia Federal contra Fabrício Queiroz e desvio de dinheiro público na Assembleia fluminense, seria deflagrada em novembro daquele ano.
Segundo declarou Marinho, que é candidato à Prefeitura do Rio pelo PSDB, o alerta a Flávio partiu de um delegado da PF, partidário de Jair Bolsonaro.
Na ocasião, ele afirmou que Flávio Bolsonaro o procurou “absolutamente transtornado”, em busca de indicação de um advogado criminal, e confessou que os policiais teriam impedido a deflagração da operação em outubro de 2018, no meio das eleições, para não prejudicar a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência.
O partidário de Bolsonaro na Polícia Federal ainda teria dito a seu filho que deveria demitir imediatamente Queiroz e sua filha, Nathália Queiroz – essa que estava lotada no gabinete do presidente, à época, deputado federal em Brasília. Ambos foram, de fato, exonerados no dia 15 de outubro de 2018.
O andamento das investigações da operação que tem como um dos alvos Flávio Bolsonaro, teria levado Jair Bolsonaro a interferir diretamente na troca do comando da Polícia Federal no Rio de Janeiro, motivo alegado pelo ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, para deixar o cargo. O órgão é responsável pela investigação do caso no estado fluminense e também em Brasília.
Organização criminosa e lavagem de dinheiro
O inquérito que o Ministério Público do Rio apura sobre acusações de organização criminosa, lavagem de dinheiro e peculato (desvio de dinheiro público) pelo filho de Bolsonaro segue em sigilo.
O site The Intercept Brasil teve acesso em abril deste ano a documentos sigilosos e dados levantados pelo MP-RJ durante a investigação que apontam que o dinheiro de “rachadinha” foi utilizado como investimento para edificações levantadas por três construtoras: São Felipe Construção Civil Eireli, São Jorge Construção Civil Eireli e ConstruRioMZ.
Segundo a investigação do MP, elas teriam sido registradas em nome de laranjas do Escritório do Crime. Adriano da Nóbrega, executado em fevereiro, e dois outros oficiais da PM integrantes do grupo, o tenente reformado, Maurício da Silva Costa, e o major Ronald Paulo Alves Pereira, seriam os verdadeiros donos das construtoras.
O hoje senador Flávio Bolsonaro receberia o lucro do investimento dos prédios, de acordo com os investigadores, por meio de repasses feitos por Nóbrega e pelo ex-assessor Fabrício Queiroz.
Segundo as investigações, Queiroz confiscava em média 40% dos salários dos servidores do gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj e repassava parte do dinheiro ao ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, apontado como chefe do Escritório do Crime, milícia especializada em assassinatos por encomenda que atua na zona oeste do Rio.
A organização criminosa também atua nas cobranças de “taxas de segurança”, ágio na venda de botijões de gás, garrafões de água, exploração de sinal clandestino de TV, grilagem de terras e na construção civil em Rio das Pedras e Muzema.
Ainda de acordo com o MP-RJ, Flávio também pagava os salários de seus funcionários com a verba de seu gabinete na Casa Legislativa.
Ligação com Adriano da Nóbrega
Queiroz e Adriano da Nóbrega se conheceram em 2003, quando serviram juntos no 18º Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMRJ). Justamente neste ano, Nóbrega recebeu a primeira homenagem de Flávio Bolsonaro na Alerj. A segunda viria em 2005, ano em que o ex-agente do Bope foi julgado e condenado por um júri popular, por conta de um homicídio. O miliciano não compareceu à premiação por estar preso.
Durante o seu julgamento, Nóbrega recebeu um apoio importante, do então deputado federal Jair Bolsonaro. Após a audiência que culminou na condenação do miliciano, o atual presidente da República foi até a tribuna da Câmara dos Deputados e defendeu o militar: “Ele sempre foi um brilhante oficial”.
Em 2007, Nóbrega recorreu da decisão e foi inocentado. Em 2013, foi expulso da PM, por conta de seu envolvimento com o jogo do bicho.
Outro importante personagem do Escritório do Crime, o major Ronald Paulo Alves, apontado por Beto Bomba como responsável por organizar o grupo de assassinos que executariam Marielle Franco e Anderson Gomes, também foi homenageado por Flávio Bolsonaro na Alerj.
Execução de Marielle Franco
O brutal assassinato da vereadora Marielle Franco, há mais de dois anos, também colocou em evidência o envolvimento da família presidencial com a milícia carioca.
Exatamente um ano após a morte, o policial reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio Queiroz foram detidos, acusados de serem os executores do crime que repercutiu mundialmente.
Lessa é vizinho de Jair Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. Nas redes sociais, Élcio Queiroz, por sua vez, exaltava o mandatário brasileiro com frequência, além de expor fotos com ele.
Meses depois, em outubro de 2019, Raquel Dodge apresentou uma denúncia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) apontando Domingos Inácio Brazão, ex-deputado e conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, como mandante do assassinato da vereadora.
O envolvimento da família Bolsonaro com os responsáveis da morte de Marielle provocou até mesmo uma campanha contra a federalização da investigação do caso. Uma bandeira antiga da família da vereadora, que mudou completamente de posição após a chegada de Bolsonaro na presidência.
Já Adriano da Nóbrega foi assassinado no dia 9 de fevereiro deste ano, após uma operação policial que tentava capturá-lo na Bahia, depois de um ano foragido. Em entrevista ao Globo, seu advogado, Paulo Emílio Catta Preta, chegou a levantar a possibilidade de que seu cliente tenha morrido como “queima de arquivo”.
“Ele me disse assim: ‘doutor, ninguém está aqui para me prender. Eles querem me matar. Se me prenderem, vão matar na prisão. Tenho certeza que vão me matar por queima de arquivo’. Palavras dele”, afirmou o defensor.
Com Adriano, foram apreendidos 13 celulares, que estão com a Polícia Civil do Rio de Janeiro.
Por Caroline Oliveira, Leandro Melito e Lu Sudré.
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